AnastasiaTieflust
“Não me lembro exatamente como tudo aconteceu e
sempre que tento é como se um buraco negro me preenchesse e sugasse minha
energia fazendo com que minha cabeça e corpo doam profundamente.
Tudo o que me lembro é que era um sábado normal,
como outro qualquer, eu cuidava de minhas flores com o mesmo carinho de sempre,
totalmente distraída, quando escutei vozes chegando aos meus ouvidos pela
estrada. O crepúsculo envolvia o mundo possessivamente com seus dedos frios e
belos. E a lua já começava a ser perceptível no céu. Levantei-me cambaleante e
me aproximei da estrada para ver-se eras tu, Ian, quem chegava mais cedo para
os meus braços.
Quisera eu que pudesse permanecer onde estava, ou
fugir o mais longe possível.
Assim que meus olhos caíram em sua pele
fantasmagoricamente pálida, meu coração acelerou-se, eu queria correr, mas
minhas pernas não me respondiam. Seus olhos negros e profundos me sugavam,
acorrentando-me ao chão. Eu era prisioneira de meu próprio corpo e o sabia,
instintivamente, é claro, ele nenhum movimento fizera desde que chegara em seu
cavalo negro como a morte.
Ele estava a apenas alguns passos de mim, eu queria
com todas as minhas forças correr, mas eu era a caça do dia, por mais que sua
expressão fosse gentil.
Ele desceu do cavalo e veio em minha direção
saboreando o momento e meu medo, eu sabia o que ele era, essa criatura.
Histórias que minha avó me contara quando criança apitavam em minha cabeça,
histórias essas que eu lacrara em meu pequeno relicário mental.
Seus cabelos eram escuros como a noite, e a lua
cheia brilhava derramando-se sobre ele, transformando-o na coisa mais linda que
eu já havia visto. Sua pele era cadavérica como a face da morte, suas mãos de
dedos longos continham unhas igualmente compridas, ele era alto e forte, e
mesmo que fosse humano, eu não teria a menor chance, nem você, Ian.
E sabendo disso eu rezei com toda a minha alma
mudamente para que não viesses para casa naquele momento, e pedi a Deus, e aos
deuses nos quais minha família acreditava, para que você ficasse a salvo... Pois
eu suportaria tudo e já havia me resignado com o fato de que morreria... Mas eu
não podia perdê-lo para a morte, aquela amante ingrata que ceifa vidas como
quem colhe flores de um jardim.
De olhos fechados eu sentia aquela respiração
pavorosa em meu pescoço, e era fria, fria como a água em degelo, fria como a
ponta de uma adaga.
_Eres tão linda, que penso se não seria útil faze-la
minha, ando só há muito, muito tempo.
Eu não me mexia, eu mal respirava, e tremia enquanto
sentia suas presas afiadas a rasgar-me.
Eu sentia o frio me invadindo, cortando-me, ao mesmo
tempo em que meu sangue, minha vida, me abandonava.
Minhas pernas perderam a força, eu já não podia
pensar e a única coisa que me segurava ao chão eram seus braços.
Logo senti que a dor, e por Deus, o prazer, já não
me afligiam e tentavam penetrar na barreira de meus pensamentos, tudo o que
restava era... Nada, um vazio terrível e excruciante, e em seguida, tudo foi
escuridão.
Quando acordei, estava no meu próprio túmulo a sete
palmos de chão. Eu tentava gritar e batia louca e frenética na madeira que me
enclausurava, mas nada acontecia, até que desisti de minhas investidas inúteis
e fiquei totalmente quieta pensando, era tudo confuso, mas quando se tem tempo,
não é tão difícil organizar os pensamentos, que foi o que fiz.
A primeira coisa de que tive certeza foi que estava
morta e aquela era minha genuína mortalha. O resto veio fácil, eu por certo não
estava completamente morta, tão pouco viva, já que não asfixiava na ausência de
ar de minha cova. Eu era uma morta-viva, uma vampira.
Depois de um tempo que não é possível contabilizar,
ouvi o barulho de terra sendo movida, em seguida, senti a tampa sendo retirada
e lá estava meu mestre, meu criador, lindo em sua glória fria. Era tudo tão
intenso, os detalhes, as sensações, era tudo muito único e... Confuso.
A lua brilhava enquanto ele me ensinava tudo que eu
necessitava saber, mas foi preciso menos que uma noite para que eu me lembrasse
de ti, meu amor.
E foi por isso que voltei, todas as noites, após
separar-me de meu mestre e um pouco antes de retirar-me para nossa cripta, eu o
visitava, Ian, porque meu amor era maior do que minha fome e meu desejo
doloroso por seu sangue. Como deves imaginar, não foi difícil convencê-lo a me
convidar para nossa... Sua casa.
Todas as noites eu o via dormindo e chorar chamando
meu nome, além de ler suas anotações, e, foi por isso que apareci, porque eu não
suportava mais vê-lo sofrer. Doía em minha carne, eu sentia como se fosse
rasgada por dentro, como se estivesse morrendo novamente, mas pior.
E... Eu decidi vir despedir-me, pois devo partir com
meu mestre, mesmo que eu não o quisesse, eu iria, pois não posso recusar-me a
atender um chamado de meu criador. E agora, Ian, eu o amo, assim como lhe amo,
de uma forma diferente, pois sem ele eu morreria, por motivos mais do que
óbvios.
E é por isso meu amor, que devo partir, e, dessa
vez, é realmente para sempre.
E agora, eu lhe pergunto:
_Ian, me perdoas? Por tudo?
_Sim. Sempre, não vá!
_Eu preciso... Adeus, Ian...”
***
Ian Einsamhertz
E dizendo isso, ela se
foi, como uma brisa fria e leve como uma pluma, deixando-me com as respostas
que tanto desejei, mas que hoje desejaria não ter. E o vazio em meu peito, era
como um buraco negro que ameaçava sugar-me para o meu interior sangrento, pois
em mim agora, tudo era dor e ausência. O fato de saber que ela não se fora era
ainda pior, pois a cada crepúsculo, eu inutilmente esperava por ela, mas ela
jamais apareceu, ao menos eu não a vi mais. Talvez ela tenha conseguido me
esquecer, mesmo que eu nunca seja capaz de fazer o mesmo.
Anos depois eu me casei
com uma moça que conheci em uma de minhas andanças em busca de informações
sobre vampirismo, temos dois lindos filhos, uma menina e um menino, chamados
Erika e Alfred, eles são agora a razão de minha vida e a esperança que pensava
nunca voltar a ter.
Amália, minha esposa,
não sabe de tudo que aconteceu com vós, somente que morrestes, ela não precisa
carregar o fardo que carrego em minha alma desde aquele dia, sete dias após vossa
morte.
Sei que em breve
partirei para os véus desconhecidos pelos quais todos os Homens inevitavelmente
passam um dia, sinto isso, meu corpo já não é o mesmo e minha saúde definha a
cada dia que passa, mas eu não me importo, eu fui mais feliz do que pensei que
seria, porque depois que partistes eu me sentia morto por dentro.
Os dias agora são
longos e as noites curtas, imagino que não deves gostar disso, mas as crianças
adoram, elas passam o dia todo brincando com os animais, adorarias ver isso, a
alegria e inocência deles é contagiante, é como um gole de água fresca após horas
no sol quente, refrescante.
Deves de estar
perguntando-se por que escrevo isso, ao pé das cartas alucinadas que escrevi
naqueles sete malditos dias, pois bem, é porque sei que quando meu corpo
estiver aprisionado a mortalha que encerará minha carne para sempre, irás
visitar nossa antiga casa. Lá, haverá para vós, esse pequeno diário em que
decidi contar-te o fato, de que apesar de tudo, eu encontrei a felicidade, e
caso ainda se sinta culpada por abandonar-me, isso sirva de refrigério para
vosso cansado coração.
Desejo sinceramente que
sejas feliz da melhor forma possível;
Ian