Ela não queria
permanecer ali, era sufocante. Ela sentia como se fossem lhe atirar em um buraco
repleto de espinhos, como em Mortal Kombat, na sua cabeça os pensamentos
predominantes “O que estou fazendo aqui?” “No que é que eu esta pensando
afinal?” “Isso não pode dar certo!”.
O suor escorria por seu
rosto como o sangue que escorre de um pequeno corte. Pequenas gotas que logo
inundariam sua roupa deixando-a com mal cheiro e parecendo uma palhaça de
maquiagem toda borrada. Mas ela não deveria importa-se com isso, haviam coisas
mais importantes em jogo, coisas que decidiriam todo o seu futuro.
Nervosa e sem saber o
que fazer com as mãos, que pendiam inertes ao lado de seu corpo, ela mirou-se
no espelho para retocar a maquiagem, afinal ela precisava ficar calma, muito
calma para fazer o que teria que fazer.
Seu rosto lhe parecia a
face da morte, mesmo com toda a maquiagem que usava. Ela quase sorriu ao imaginar uma foice
como a da Morte em sua mão direita. Seus olhos castanhos amendoados eram como
dardos, brilhantes em meio a toda a sombra acobreada, o lápis e o rímel; seus
lábios, agora pintados de vermelho, encontravam-se entreabertos, pois ela não
conseguia mais respirar normalmente, sua respiração estava totalmente
descompassada. Seu cabelo ruivo, brilhava mais laranja que nunca na iluminação
branca do banheiro.
Era agora ou nunca. Ela
tinha que fazê-lo.
Era por esse momento
que ela ansiara a vida toda, desde que tivera capacidade para compreender e
suportar as coisas. Era a hora desse peso sair de suas costas, dela poder ser
livre, coisa que nunca fora. A partir daquele momento ela poderia seguir sua
vida, ser quem ela quisesse, e ter o que quisesse, ser dona de si mesma e de
suas vontades sem que nada lhe pesasse na memória.
Era o seu momento, o
apogeu de sua gloria, ela já aguentara demais pra desistir agora. Era agora ou
nunca, e ela sabia. E por isso receava. Isso fora o objetivo de toda sua vida,
foi isso que a fez ser quem era, essa sede incansável, essa sensação vermelha
que lhe borbulhava o sangue.
Ela precisava fazê-lo
para que se sentisse completa, era isso, era o que eles quereriam.
E ela faria.
Renata vestiu seu robe
vermelho sob a lingerie escarlate que ostentava, ela não queria vestir nada
disso, mas praticamente fora obrigada por suas amigas, amigas essas que a
partir de hoje a odiariam. Era o preço,
ela sempre soubera, só não imaginou que doeria tanto assim.
Ela lançou mais um
olhar sob si no espelho antes de fechar o robe, seu espartilho vermelho era
realmente belo, realçava todas as suas curvas de forma impressionante. A cinta
que prendia a meia, assim como suas luvas eram vermelhas sangue, “vermelho
sangue, que sugestivo” ela sorriu felinamente e saiu do banheiro com passos
decididos, praticamente uma marcha, mas diferente da que realizara poucas horas atrás, essa não era uma marcha
nupcial.
Ele estava sentado na
banqueta, arrumando o rádio, colocando a musica deles pra tocar, estava tão lindo, ela não pode deixar de pensar, e
um arrepio correu por suas costas, como se dedos gelados e mortíferos a
acariciassem, como um desafio.
Ela encaminhou-se até
ele, parando a centímetros, estendeu suas mãos em direção de seus ombros largos
e fortes, que ela tanto admirava e os acariciou. Ele virou-se e a encarou. Seus
olhos azuis a penetravam, como adagas afiadas, pareciam ler sua mente, sua
alma... Seu coração, mas era só ilusão, pois se ele soubesse, se ele ao menos
imaginasse suas reais intenções não estaria ali agora, não com ela.
Esse pensamento a machucou
mais do que ela imaginava, desencadeando
uma onda de sentimentos que ela não queria sentir, concentrando-se ela
empurrou tudo para longe de sua mente, ela lidaria com isso depois, quando tudo
estivesse findado.
Ela acariciou o rosto
dele, decorando cada linha, assimilando cada contorno, de suas sobrancelhas
arqueadas, passando por seus olhos azuis, por seu nariz meio torto, de um soco
que levara na infância, até seus lábios cheios e bem desenhados, ela não queria
esquecer aqueles traços, odiados, e ao mesmo tempo tão amados.
Ele pegou-a e a levou para
a cama, acariciando-a lentamente, nunca tirando seus olhos dos dela. Renata
sabia que não podia deixar-se levar, se o fizesse, estaria perdida, por isso,
com o pretexto de despir-se do robe, ela levantou-se da cama e caminhou em
direção ao local onde escondera sua surpresinha conjugal.
Ela pegou-a lentamente,
sua mão nem ao menos tremia, ela sempre fora boa em controlar a emoção, não era
agora que deixaria levar-se por elas.
Sentado calmamente ele
a observava, a surpresa que ela esperava ver em seus olhos quando visse o
objeto que ela portava não veio, e por um momento ela sentiu-se confusa e com
medo.
Ela parecia uma deusa
vingativa, sua pele branca contrastava quase dolorosamente com os trajes
mínimos vermelhos, e a arma prateada em suas mãos, um 38, era pequeno, mas
ninguém teria a ousadia de duvidar de sua potencia.
Ela apontou-a para o
peito de seu marido com braços firmes e decididos, seus olhos perfuravam os
dele, ela se preparava para puxar o gatilho “não pensarei” “não me darei esse
luxo”, mas ela simplesmente não podia ficar sem saber, a curiosidade a corroía
mais do que a culpa.
_Vejo que não está
surpreso, por quê?
_Nenhum pouco. Vejo que
ficou desapontada, esperava que eu fizesse uma cara de espanto, ou que chorasse
por piedade Renata? – perguntou ele encarando-a, ainda na mesma posição.
_Como? – ela não tinha
tempo para joguinhos, ela precisava terminar com isso já.
_Eu sempre soube quem
você era, desde o primeiro momento em que a vi. Inclusive quando você fingiu
tropeçar para que eu a segurasse, eu sabia qual era a sua intenção, mas eu
queria ver até onde ia o seu jogo, até onde você iria para alcançar sua suposta
vingança. Desde que começamos a sair eu dormia após o sexo pensando que talvez
não acordaria mais. Mas confesso que com o tempo fui me perguntando “porque ela
não faz nada?” eu passava horas tentando achar um porque, logo decidi que,
talvez, você tivesse mudado de ideia. Porem no mês passado a vi saindo de uma
loja de armas, nós já estávamos de casamento marcado, foi ai que entendi, o
quebra-cabeça solucionou-se em minha mente, e eu pude ver o que você queria
mais do que tudo, sacrificar meu coração junto com meu corpo, pois era o que
aconteceria com o seu quando você finalmente colocasse seu plano em ação. Acho
que você se apaixonou por mim no mesmo momento que eu, naquele dia na
lanchonete, no nosso quinto encontro, lembra-se? Você estava comendo o lanche e
fazendo a maior sujeira, eu estava rindo porque nunca havia visto uma mulher
que conseguisse fazer tanta lambança para comer um simples cachorro quente. Então
você me olhou e nossos olhos se cruzaram. Eu não sei como, não sei nem mesmo
explicar, mas naquele momento eu soube que você era a mulher da minha vida, e
daquele instante em diante, joguei a cautela de lado e me entreguei ao que
tínhamos. Enfim, faça o que tem que fazer Re.
_Quero que você me
conte, como foi saber o tempo todo que você transava com a filha do homem que
seu pai arruinou, pois você sabe, o maldito do seu pai acabou com a minha
família inteiro com uma só bala, minha família ficou destruída. Como você se
sente sabendo que tem o sangue do cara que tornou minha vida um inferno? Que
destruiu todos meus sonhos.
_Eu sabia que meu pai
era esse assassino cruel e frio, só que eu não podia mudar isso, ele me avisara
de você, pois soube que estava rondando procurando por informações sobre ele,
mas, infelizmente, ele morreu antes que você pudesse fazer o serviço. Então
você veio a mim, pretendendo fazer com a minha família exatamente o que fizemos
com a sua, o que espera com isso? Sentir-se vingada? Realizada?
_Não sei, não parei pra
pensar nisso, só sei que deve ser feito. Meus sentimentos não importam, nunca
importaram, para ninguém.
_Para mim importam.
Você sabe.
_Me diz Gabriel, como
posso amá-lo como amo, se todo o ódio e raiva que habitam em mim são
direcionados a você? Se tudo o que sempre desejei foi matá-lo?! Não há futuro
para nós, nunca houve.
_Não seja idiota e
melodramática, claro que tem.
Ele levantou-se e
dirigiu-se a ela que estava com a arma frouxa nas mãos, já sem mira e com os
olhos totalmente enevoados pelas lágrimas que ela não se permitiu derramar.
Ela sentia seu coração
pulsando, num compasso desesperado e frenético. Ela devia tomar uma atitude
logo, antes que pudesse mudar de ideia, mas ela já não estivera a um passo de
mudar de ideia várias vezes desde que começara essa missão idiota? Porque ela
não podia simplesmente mudar de ideia e ser feliz uma vez na vida, sepultar o
passado, se fosse preciso ela poderia por flores em seu tumulo, mas o passado
já havia sido seu presente por tempo demais, era hora de matá-lo. Matar a coisa
certa, aquilo que a sangrava.
Ela estava tão
compenetrada que não notou ele aproximar-se, por isso, num susto, disparou o
tiro que mudaria tudo, a bala que ela guardara por tanto tempo e que sempre
tivera esse destino, e que, no entanto agora ela queria que não tivesse sido
usada.
Por um momento ela
realmente acreditou que o havia acertado, mas no momento seguinte ela deu-se
conta que seus braços estavam levantados e por isso ela não o acertara, e sim o
teto.
Ainda atordoada, ela
olhou para Gabriel, sem saber o que sentir ou pensar. Os olhos dele eram como
dardos que lançavam fogo sob ela, sempre foram, mas ela nunca os havia sentido
como naquele momento.
Ele a beijou com fúria
e desespero, jogando a arma de suas mãos para um canto esquecido do quarto
preparado exclusivamente pras núpcias deles, ela pulou no colo dele e devorou
cada centímetro do rosto dele, beijando cada parte que podia alcançar, ela
amava esse homem. “Como pode pensar em
matá-lo? Como?”
Ele a jogou na cama sem
um pingo de delicadeza e arrancou dela cada peça de roupa com os dentes e os
dedos furiosos, ela sentia que teria hematomas no outro dia, mas não se
importava nenhum pouco. Desesperadas as bocas se procuravam enquanto ele
deslizava para dentro de seu corpo completando-a como sempre fizera. Ele a
apertava e mordia enquanto ela o unhava embebida pelo prazer que ele a
proporcionava.
Ela nem mesmo podia
lembrar-se porque diabos deveria matá-lo, não lhe parecia correto, nem possível
afastar-se dele tendo a sua respiração tão quente sob seu corpo e sua boca tão
saborosa em contato com a dela.
Renata não sabia como
seria o dia de amanhã, ou como eles poderiam viver em harmonia agora que suas
mascaras haviam caído, e as verdades foram escancaradas, mas ela tinha a certeza plena e absoluta de que
valeria a pena, contando que o tivesse junto dela pelo máximo de tempo
possível.
Mas é claro, ela manteria
sua 38 carregada e pronta para uso caso o ódio resolvesse suplantar o amor
novamente, o que ela esperava não acontecer, mas, nunca se sabe, afinal uma
mulher precavida, vale por 10.
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