expr:class='"loading" + data:blog.mobileClass'>

sábado, 9 de janeiro de 2016

O voo das borboletas



Era uma manhã de outono na grande São Paulo e o barulho da cidade despertando vibrava pelo ar. Ele estava sentado no degrau da escada, os olhos inchados de tanto chorar. O nariz repleto de ranho, o rosto desfigurado de dor e descrença. Como isso poderia ter acontecido? Esse entendimento parecia fugir-lhe pelas pontas dos dedos, como uma borboleta faceira e esguia.
Com uma fungada deprimida ele decidiu que era hora de encarar o momento, deixar a dor de lado e ser o homem que ela havia lhe ensinado a ser, com tanto amor, carinho e dedicação durante todos aqueles anos. Arrumou a gravata cinzenta lentamente, as mãos tremeluzentes dificultavam o processo já naturalmente complicado. Um último olhar para o alvorecer, ao longe nuvens escuras despontavam no horizonte. Talvez amanhã chovesse.
Suspirou uma última vez e entrou na casa pintada de marrom, a tinta descascando em alguns pontos, se arrependeu de não ter pintado no verão passado quando a mãe insistira. Pelo canto dos olhos viu na porta os riscos que indicavam o crescimento dele e da irmã. Lembrou-se com tristeza da alegria que sentia a cada centímetro que passava a irmã e do orgulho bobo e infantil que sentiu quando passou o pai na altura, o brilho de divertimento nos olhos do mesmo vendo o filho feliz com algo tão simples.
Caminhou mais um passo casa a dentro, o cheiro do perfume da mãe inundou-lhe os sentidos como um soco na boca do estomago, as flores da mesa de centro estavam morrendo, as pétalas caiam preguiçosamente pelo móvel e espalhavam-se pelo chão de madeira polida com zelo, que agora começava a perder o brilho.
Da cozinha vinha o cheiro de bolo de cenoura e seu coração deu uma guinada de esperança tola, a mão suou frio, os pés aceleraram o passo. De costas a figura remexia nos armários com seu avental de tetris, presente dos filhos em um natal muitos anos antes, as mãos moviam-se ágeis pelas portas. Quase correu a abraçá-la, mas então a figura virou-se e o encanto quebrou-se relevando a irmã. O rosto jovem e com poucas rugas lançou-lhe um olhar triste e piedoso ao ver o espanto no rosto do homem que estacara na porta.
- Desculpe, só tinha esse avental aqui...Eu… Eu pensei em fazer um último bolo… Sabe, para relembrar os bons tempos… Acho que… Acho que mamãe gostaria disso.
A garganta fechara-se, os olhos encheram-se de lágrimas, as mãos ficaram pregadas ao lado do corpo. O ar parecia faltar e o mundo parecia abrir-se sob seus pés imensos, tamanho 43.
- Oh Gabriel, sinto muito, muito mesmo…
A jovem mulher correu para abraçar o irmão mais novo, seu bebezinho, seu tesouro mais querido. Os dois permaneceram abraçados, as lágrimas rolando enquanto o cheiro do bolo de cenoura os envolvia. 
- Anna, o que faremos sem ela? Eu… eu não consigo imaginar como será… - indagou o rapaz, o nó na garganta dificultando a fala. 
- Não sei.
Com um movimento suave ela afastou-se e segurou o mais novo pelos ombros largos, quando é que ele ficara tão grande e forte? Perguntou-se ela enquanto fitava aquele rosto jovem repleto de dor. Ela respirou fundo e disse o que precisava ser dito, sabia que precisaria ser a forte ali, pelo bem da família, sem a mãe por perto a função de manter a família unida seria sua.
- Olha Gab, sei que agora está doendo muito, mas ela não gostaria que ficássemos lamentando, tenho certeza que ela ficaria triste e choraria se nos visse assim, como ela sempre fazia quando vinha consolar a gente, você lembra? - perguntou ela sorrindo, a voz embargada, as lágrimas escorrendo - Ela vinha tentar consolar a gente mais acabava chorando junto...
Os dois riram, a mãe sempre fora uma manteiga derretida, chorava por praticamente qualquer coisa no mundo. Ninguém podia chorar perto de Dona Carine que ela chorava junto, era mesmo uma molenga aquela velha, pensou a jovem com nostalgia.
Com um último afago no ombro do jovem, ela afastou-se e foi tirar o bolo do forno, o cheiro tão bom lembrava a mãe, tudo ali lembrava ela, cada pedaço daquela casa era recheado de recordações maravilhosas, e agora dolorosas. 
- Acho que você deveria acordar o pai para comermos e irmos, está quase na hora.
O jovem acenou com a cabeça e dirigiu-se as escadas, onde encontrou o pai parado olhando para o nada. Preocupou-se, não sabia como lidar com o homem mais velho, nunca haviam sido muito ligados, sempre fora a mãe que lidara com os filhos. O pai apesar de ser bom homem, sempre fora muito fechado e quieto.
Com calma ele aproximou-se do pai e colocou-lhe a mão no ombro, seguindo o olhar do homem. A poucos metros dali uma borboleta colorida esvoaçava dentro da cristaleira antiga, sobre as fotos de família de forma hipnótica. 
- Você sabia que sua mãe adorava borboletas? Ela sempre fora fascinada por esses pequenos animais - disse o homem com a voz de timbre forte oscilando de emoção. Caminhou até a cristaleira e abriu a porta com calma, um sorriso sereno estampado no rosto - mas veja só, como você foi parar aí dentro, pequenina? - Levantou o dedo para o pequeno inseto que pousou delicadamente. O homem então endireitou-se e levou o animal para o jardim que a mulher cultivara durantes anos e que agora era sua responsabilidade.
O filho observava com fascínio enquanto a borboleta sobrevoava a cabeça do pai e depois subia rumo aos céus. O homem virou-se e dirigiu-se em direção a cozinha sem uma única palavra sobre o assunto, e ele jamais falaria sobre aquele momento, mas o sorriso sereno e calmo que estampava em sua face cansada e marcada pelo tempo, anunciavam tranquilidade e paz de espírito, o que deixou o filho mais calmo.
Comeram o bolo enquanto relembravam momentos bons do tempo em que eram crianças, episódios em que a vida lhes tinha parecido infinita e as possibilidades inesgotáveis, e com calma e tranquilidade dirigiram-se a igreja onde diriam um último adeus a mulher que mais haviam amado no mundo e que a sete dias partira, para nunca mais voltar. Mas eles sabiam agora que não era um adeus, era um até breve.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Beltane II

Retirei a imagem desse site aqui mas não sei onde eles arrumaram e quem é o artista.


Flutuando na brisa da noite
Cantando em uivos ao luar
As grinaldas de flores silvestres 
Ornamentando os cabelos selvagens
o corpo a balançar no ritmo dos tambores

Rainha da noite
Os olhos dourados a brilhar intensamente
Quero que venha em minha direção
E pegue minha mão
Que me escolha para ser seu

Nessa noite eterna e sem fim
Os corvos crocitam nas árvores
As corujas piam do alto de seus ninhos
Com as luzes da fogueira a reluzir em seus olhos
Animalescos

Ninfa dos bosques 
Filha da terra e dona da sensualidade
A noite só termina quando a aurora chegar
E nessa festa anciente e mágica
Eu quero ser seu

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Talvez, você?



Guardo na alma a tatuagem em incandescente chama
em meu peito a saudade clama pelo abraço que você negou.
Raras são as noites em que não role na cama;
sonhando os sonhos que você abandonou.
Omitindo o desejo que inflama;
nossos beijos prometidos, que você me negou.

Não, eu não sei o que restou desse sentimento adormecido;
e o que persiste em meu peito sem motivo;
tudo o que eu sentia deveria ter desaparecido.
Oh triste desejo que me consome e mantem cativo.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Anacrônico

Não sei a quem pertence a imagem, por mais que tentei encontrar, não achei a fonte original dela. 
Agradeço se alguém souber e puder me dizer. Obrigada.



Sentindo o vazio a solidão penetra por baixo da porta. Somos seres tão tristes... Observando os carros passando e as luzes brilhando... Brilhando. A lua na imensidão saindo de foco. A garrafa escapando por entre os dedos. Buscando sentir o infinito. Os braços estendidos em direção a via láctea. Os olhos abertos, o sorriso estampado. O mundo é um borrão colorido, repleto de vida e pulsa dentro de você. Você se sente parte de algo. As mãos se tocam desesperadas buscando conforto. Os lábios afoitos se buscam. Somos seres tão tristes e vazios... O suor escorrendo pelo corpo em movimento rítmico. Os ruídos ascendendo aos céus, a fricção dos corpos harmoniosamente flutuando pelo apartamento pequeno. As mãos agarrando-se  buscando conforto. No ápice há a constatação, o vazio chega como um soco no estomago. Sentindo tudo, as ondas de desespero. Um nó se formando na garganta, as lágrimas silenciosas escorrendo pela face borrada de maquiagem.... Somos seres tão tristes... Todo seu ser parece encolher. Não existe nada no mundo, somente o vazio. Com desespero você procura algo que te faça sentir parte de algo. Ansiando pertencer a algo que tenha um significado maior do que tudo isso. A vida não deveria ser algo bom? As luzes a piscar em sua retina, os prédios repletos de pessoas vazias vivendo suas vidas medíocres. As pichações contrastando em prédios precários. Os passos ecoando no silêncio. O frio a doer os ossos, os cabelos a voar ao vento. Ah a noite é tão linda. As estrelas no céu são um borrão tão lindo... Somos seres tão tristes... tão tristes... Sentada em um vaso em um lugar qualquer, você sente o mundo girando. Só um pouco... E respira fundo, sentindo a química invadir o seu corpo. Somos seres tão tristes... A sua volta sorrisos de plástico explodem e brilham no ritmo da música alta. Seu corpo se movimenta rapidamente, a vida é um carrossel de sensações, as bocas se beijam, se invadem, se devoram. Os corpos misturados em meio aos lençóis, enroscando-se enquanto o sol nasce no horizonte. Você já não sabe quanto tempo faz ou que dia é hoje, tudo o que importa é sentir algo, sentir tudo isso. Buscando o significado de tudo e tentando entender que diabos é o objetivo por trás. As luzes brilham em seus olhos de vidro. Vazios. Desesperados. Somos seres tão tristes... Tudo o que você deseja é saber porque, é ser amada, é saber que valeu a pena. Os dedos moles e molhados caem em torno das pernas. A poça vermelha a inundar o chão do banheiro de um lugar que você já não sabe onde é, mas isso já não faz diferença. Sentindo tudo isso. Os olhos se fecham e uma última lágrima escapa dos olhos que já não veem. Um último suspiro, um ultimo sopro de vida e então se foi. Somos seres tão tristes... tão tristes... Eu vejo você caindo, seus olhos se fechando e escuridão a absorvendo, talvez haja tempo. Mas ah somos seres tão tristes e eu já não sei para onde vou.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Efemeridade

Imagem retirada do Google imagens e não encontrei o autor/dono da mesma,
 se alguém souber, por favor me avise.

Aquilo que fui se perdeu no tempo
e foi esquecido.
Aquilo que um dia existiu
padeceu e sumiu.
Aquilo que foi significativo
evaporou na brisa do ocaso.
Aquilo que pensei
evanesceu num sopro agridoce.
Aquilo que foi promessa
nunca se cumpriu.
Aquilo que deveria ter sido
jamais foi.
Aquilo tudo que foi sonhado
perdeu-se na vida.
Aquilo que era doce
amargo se tornou.
Aquilo que eram curvas voluptuosas
virou pó.
Aquilo que era chama
transformou-se em cinzas.
Aquilo que foi história
o tempo apagou.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Menina



Doces são as palavras que saem de teus lábios
Em harmonia celestial a dançar em meus ouvidos de menina
Mil promessas a rodopiar em valsa cósmica em meus sonhos
divinos beijos a roubar o sono

Coloridas são as fitas que rodopiam
por entre os dedos finos sedosas e vibrantes
Enfeitando os delírios, os cabelos, o corpete
um desejo a vibrar no peito

Doce é o vinho que me toca a língua
e o calor que de súbito sobe em minha face
incendiando minh'alma
ocultando meus medos

Coloridos são os olhos que me fitam
por sobre a mesa farta com paixão
azul e verde efervescentes e cálidos
um convite

Doces são os lábios que tocam os meus
que queimam minha pele e me fazem nova
me levam ao céu a cavalgar a  imensidão celeste
nessa noite prateada em que menina deixei de ser

quarta-feira, 6 de maio de 2015

A Fugidia Poesia



A poesia me escapa;
Por entre os dedos como a água da nascente pura;
Por entre os lábios entreabertos em suspiros densos;
Pelo suor que escorre por minhas costas nuas.

A poesia me foge e não sei como pegá-la de volta;
Como uma borboleta serelepe;
Ela flutua sobre minha cabeça, rodeando-me;
Mas sempre desvanece quando meus dedos a tocam.

A poesia foge.
Corre faceira por entre os campos e campinas.
Onde com a vista embaçada vejo-a ao pôr do sol.
Docemente sentada na relva, mas como miragem, some quando me achego.

A fugidia poesia flutua no vento;
Como folhas secas no outono a serem levadas ao acaso.
Suas cores anunciam o inverno soturno.
E me preocupo como poderei viver sem a poesia a acalentar-me nas horas frias.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Conto: À espera



Todos os dias eu aguardo ansiosamente pelo seu retorno sentada no sofá. Os olhos fixos no televisor, esperando ouvir ao longe o som de passos conhecidos a se aproximar na calçada. O tempo não existe, há somente a espera que parece não ter fim e a ansiedade agonizante.
Na escada ouço um barulho que me desperta do transe.
- Mamãe?
- Oi querido – respondo rapidamente me levantando e indo vê-lo.
Sinto-me endurecida, como uma máquina enferrujada. O coração pesado a bater no peito – O que foi? Teve um sonho ruim? – Pergunto pegando-o nos braços. Meu pequeno tesouro.
Com um aceno de cabeça ele confirma. Seus olhinhos pequenos inchados de sono, os cabelos dourados bagunçados como os do pai.
- Ah venha aqui. Mamãe vai espantar o sonho feio com muitos e muitos beijos e abraços – digo começando a beijar-lhe a face pequena e redonda e a abraçá-lo repetidas vezes.
- Vai ficar tudo bem. A mamãe está aqui – repito enquanto o carrego para o quarto. Na cama ao lado sua irmã dorme despreocupada. Com cuidado coloco-o na sua e cubro-o cuidadosamente.
- Quer que a mamãe fique aqui até você dormir? – Pergunto afastando os cabelos de sua testa.
- Uhum.
- Está bem. Então feche os olhinhos e durma bem. Vou ficar aqui.
Ele fecha os olhos languidamente, mas somente para abrir de novo, segundos depois, com uma expressão preocupada a tomar-lhe a face inocente.
- Papai ainda não chegou?
- Não... Mas não se preocupe, vai ficar tudo bem. Papai é forte, lembra?
Ele concorda com um sorriso tímido, fecha os olhos e com o rosto tranquilo adormece quase imediatamente.


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

CRÔNICAS: MEMÓRIA II

A vida e o Nada


Imagem de: VikkiGothAngel

Hoje, tudo o que me resta são as memórias que se perdem na bruma de um tempo que se foi e a brisa gélida perfumada de jasmins, nessa noite pálida de lua cheia, carregará consigo o meu último e cansado suspiro. As flores negras que banhadas da prata luz lunar, possuem um brilho etéreo e difuso, já não sei a que mundo pertenço e se tudo não passa de uma ilusão. Mas se em meu corpo ainda há o sopro então serão elas as únicas a velarem por minha carne decomposta, as testemunhas lúgubres do banquete dos corvos. Pois não há nada, não há ninguém, somente o vazio e o abandono permanecem.
Em minha garganta um nó se forma ao fitar ao longe o balanço que se move fantasmagoricamente, suas correntes enferrujadas a ranger sonoramente no silêncio mórbido da noite – sinto que quase posso ver como em um filme as  lembranças se desenrolarem diante de meus olhos... Foram tantos  momentos naquele mesmo cenário e os sonhos e esperanças que nutríramos naquele tempo, os amores que jurei levar ao túmulo, qual eram afinal? Não sei...
E o sorriso doce que vazava de nossos lábios sempre que brincávamos naquele balanço rústico, onde foi parar?
Com esforço sei que poderei reviver tudo aquilo em minha mente, todos os risos e choros, e o abraço cálido de minha irmã, quase consigo sentir o cheiro de morangos no vento - para mim esse sempre seria o cheiro dela – a escapar de seus lisos fios negros enquanto me dizia que seríamos inseparáveis, “mesmo quando fossemos duas velhas feias e enrugadas, com cara de chuchu passado, igual a vovó”.


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Legado



Gritando pelos sonhos que não tive
Amaldiçoo os ventos que me trouxeram
Os desígnios de um destino vil
Repleto de ocultos segredos macabros

Esse nunca foi o mundo que desejei
E a chuva fria já não lava o sangue que jorra
Gélido e mórbido
De um passado negro e perverso

A fonte de todo o mal que me possui
Fluindo lentamente pelo tempo
Ascendendo nas horas mortas
Nos pensamentos adormecidos

Era a treva da minha alvorada
Devorando minha carne e alma
Corrompendo tudo o que era eu
Sugando a vida que existia em mim

Eu não podia fugir ao pesadelo que me ninava
E as noites pérfidas que me abraçavam com dedos de aço
Era o legado que me foi deixado
Uma vida morta e suja, assassinato.



LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...