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terça-feira, 16 de outubro de 2012

Sangue e óleo [Parte única]

       Conto postado no site airmandade.net para um desafio relâmpago link do site: http://airmandade.net/desafio-literario/desafio-literario-relampago/555-contos-de-1000-palavras.html



2025 foi o ano de nosso apogeu, nossas consciências expandiram-se de forma surreal. A partir daquele momento, naquela tarde em que as luzes violetas da cúpula protetora de vidro que envolvia a terra, cintilavam diante de nossos olhos, a esperança brotou em meu peito de ferro e óleo, como uma rosa rubra em meio aos escombros.
Não éramos mais meras ferramentas privadas de vontade e liberdade, usadas ao bel prazer do Homem, para limpar suas sujeiras e levar a culpa por seus fracassos.
Eu era um modelo totalmente antiquado no momento da revolução ultra-cibernética, um TB35, dotado de ferramentas recicláveis e um pequeno núcleo de energia ladeado de vidro. Eu era considerada a escoria e o fato de um ferro-velho carcomido pela ferrugem caminhar entre aquela reluzente anatomia cromada recém saída do “Criador”, era para a minha raça uma vergonha.
Mas eu não me importava, cada parte de meu corpo, feito a imagem e semelhança do Homem, eram para mim motivo de orgulho, já que foram feitas do suor e esforço de meu Mestre e amigo, que era um gênio de apenas 12 anos e foi um dos pioneiros na criação robótica dotada de consciência e me ensinou tudo que eu necessitava saber.
Infelizmente ele partiu tão rápido que mal pude suspirar um último adeus, um agradecimento que ficou engasgado em minha alma cibernética. Nataniel foi como um cometa a cruzar a imensidão terrestre; sua chama brilhou pouco, mas o suficiente para deixar marcas indeléveis, pois através de suas pesquisas muitos outros como eu nasceram.
Logo, nossa espécie, estava em cada esquina, primeiramente feitos somente de ferro, em seguida, passamos a ter um tipo de pele sintética que nos permitia andar entre as pessoas sem que elas ao menos soubessem de nossa presença.
Foi o estouro tecnológico, o mundo suspirava tecnologia e inovação, os carros flutuavam sobre as ruas e as luzes eram como pequenos insetos, minúsculas bolas que através da energia solar geravam a luz, que apesar de fraca por causa da cápsula protetora que agora envolvia a terra devido à proximidade do sol e a força de seus raios, era suficiente.
As florestas eram artificialmente criadas, maravilhas repletas de trilhas nas quais as pessoas podiam caminhar observando os animais através do vidro blindado, frequentemente existiam monumentos em meio a vegetação, copias exatas dos originais espalhados pelo mundo, era simplesmente um sonho.
Andar pelas ruas brilhantes e coloridas observando pessoas e máquinas convivendo pacificamente, enquanto as pequenas naves que flutuavam pelo céu faziam suas propagandas barulhentas e, ao mesmo tempo, encantadoras, era divino.
Mas essa aparente paz durou pouco, pois logo as máquinas sentiram que aquilo não era o bastante, elas ambicionavam mais daquele delicioso e promissor mundo, queriam poder, o comando.
E assim iniciou-se a guerra temida por todos, pois sua magnitude poderia ameaçar a estrutura da terra, assim como exterminar um dos povos.
Iniciou-se aos poucos, pequenas cidades tomadas, linhas de comunicação invadidas de forma tão sorrateira, que quando os homens perceberam, era tarde demais. As máquinas possuíam o controle de muita coisa primordial a eles, mas a humanidade não desistiria facilmente de seu planeta, foi nesse ponto que as coisas ficaram realmente intensas.
Foram dias terríveis em que eu observava tudo à distância enquanto sangue e óleo enlaçavam-se pelo concreto sem nunca misturar-se, nem na morte somos iguais, diziam-me eles, suas cores fulgurantes à luz do sol.
Eu não sabia que atitude tomar, jamais me voltaria contra meu criador. Sentia no âmago de meu núcleo que devia tudo a Nataniel, e voltar-me contra a raça humana seria trair sua memória e eu jamais poderia me perdoar se o fizesse. No entanto, era um martírio não auxiliar minha raça. Eu era inevitavelmente uma traidora, não importava o que fizesse.
A guerra durou meses, meses esses em que permaneci vivendo nas sombras, privada da luz do sol, me alimentava de restos que não danificassem meu sistema, assim como de óleo, que encontrava pelos cantos e corpos de irmãos caídos que não tivessem o tanque de supressão articular danificado. Eu era como um inseto, um mero parasita que sobrevivia do infortúnio alheio.
Foi em um dia de primavera, em que as coisas pareciam mais silenciosas e amenas, que decidi arriscar-me a luz do dia, finalmente saindo de meus escombros detestáveis enquanto a luz natural ainda iluminava as ruas.
Lentamente caminhei pelo asfalto, uma mera sucata em meio a destruição e os corpos que espalhavam-se por toda parte, alguns sangravam, outros vazavam.
Depois de aproximadamente meia hora, em que o único som que se ouvia era o de meus passos arrastados, deparei-me com uma cena que me chocou de todas as formas possíveis; em meio a uma montanha de destroços, pedaços mutilados de meus irmãos, estava uma garotinha, suas costas viradas para mim de forma que tudo o que eu via eram seus cabelos prateados que flutuavam em torno de sua pequena cabeça manchada de sangue. Seu corpo tombava lentamente, e o que vi diante de meus olhos vítreos foi a minha ruína.
Parado, em frente a garota em seus últimos suspiros, estava um robô, suas mãos, cuja pele sintética havia descolado, exibiam metal rubro, colorido pelo sangue da pequena vida que acabara de ceifar. Naquele momento o mundo ficou cinza e eu me lancei alucinada em direção a ele, não importava com qual lado eu deveria ficar, ou quem estava certo ou errado, eu só estava cansada dessa barbaridade desenfreada.
Aquela criatura, que perderá grande parte de sua pele e exibia vários pedaços de metal, mal teve tempo de reagir, grudei em seu pescoço e atirei-a ao chão enfiando um pedaço de ferro em seu núcleo vital, seus olhos apagaram-se como uma vela ao vento.
O tempo parou naquele instante, permaneci sentada catatônica até que alguns homens apareceram, eu não tive tempo de articular nenhuma sílaba antes de ser atirada ao chão, fechei os olhos e esperei meu fim e ele veio como um flash rubro de fúria. Culpada.





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