A forma ou o lugar em que nos encontramos foi, no mínimo, interessante,
já que era um lugar ao qual eu não havia colocado os pés em muito tempo. O mais
estranho foi o fato de que não planejei ir aquele lugar, o mero acaso me levou
até aquela lanchonete, do outro lado da cidade, que anos atrás havia sido o
palco do termino de um garoto chamado Vinicius e uma menina tola, estranha e
magrela.
Naquele dia, em que os astros pareceram conspirar contra mim, já que tudo
estava dando errado, eu havia perdido o ônibus que costumava pegar e, por
consequência acabei subindo em um ônibus completamente diferente, pensando que
ele me levaria para um lugar razoavelmente perto de casa, o problema é que eu
confundi os bairros. Quando percebi a cagada já era tarde demais, então
coloquei os fones de ouvido e esperei chegar novamente ao terminal pra poder
pegar o veiculo correto – não se atreva a sugerir um táxi, sou pobre.
Então, enquanto estava viajando no som e observando as casas e o
movimento da cidade em ebulição através da janela, vi passar um letreiro que a
muito havia esquecido, mas que despertou um lugar recôndito de minha memória.
No mesmo momento, movida por um impulso, apertei o botão de “solicitação
de parada” e com o coração apertado desci do veiculo e caminhei em direção a
lanchonete. Ela havia mudado de dono – como descobri mais tarde- e agora
possuía uma decoração totalmente destoante da que eu costumava conhecer como se
fosse a de minha própria casa. Hoje, onde antes haviam sofás grudados e as
mesas redondas que dão aquela sensação de intimidade e conforto, agora
encontravam-se mesas quadradas, com poucas cadeiras e um visual moderno e
prático, tão característico de tantas outras lanchonetes. Aquele lugar que eu
tanto amara perdera sua singularidade, os quadros pela parede agora eram de
cantores pop do momento, em tons tristes e mortos, as gravuras com molduras em
vermelho haviam desaparecido...
Como tudo, aquela lanchonete também se adaptara a modernidade e
praticidade da vida moderna. Mas não desisti de sentar-me e fazer meu pedido –
até porque estava faminta – infelizmente a primeira mordida trouxe consigo um
gosto amargo de decepção; o gosto era exatamente igual ao de outras lanchonetes
de cadeias de fast food, que eu
particularmente não gosto, já que sempre preferi minha comida feita na hora,
mesmo quando estou com pressa – apesar de as vezes comer aquelas lasanhas de
micro-ondas, que são muito boas, obrigada.
Larguei meu lanche meio comida na bandeja e passei a observar o lugar,
naquele exato momento um homem alto, de ombros largos, camisa e calça sociais e
cabelos negros adentrou o recinto e eu imediatamente o reconheci, aquele perfil
e aquele jeito de andar que não mudaram nada durante os anos que se passaram me
fizeram sorrir. Vê-lo trouxe um perfume de nostalgia e despertou memórias que
eu pensava não existirem mais.
Silenciosamente observei-o enquanto caminhava em direção ao balcão e
fazia o seu pedido. Parte de mim desejava saber se ele me reconheceria – e
outra, agradecia fervorosamente aos deuses, aos astros e ao acaso, pelo simples
fato de ter saído bem arrumada naquele dia, e não ter colocado a camisa bege.
Mas minhas dúvidas fúteis duraram poucos segundos, pois, no momento em
que ele se virou e procurou um lugar para sentar-se, seus olhos de jabuticaba
encontraram os meus e ele, um pouco surpreso, veio em minha direção a passos
largos.
Eu não sabia se deveria sorrir ou permanecer série, se levantava para
cumprimentá-lo, ou esperava sentada. Aquela mulher em frente a ele, era
definitivamente bem diferente da menina de agudos olhos verdes de ave rápida,
lábios finos, cabelos longos, loiros e enrolados, com óculos grandes demais que
pareciam pertencer ao Harry Potter, e não a uma adolescente comum.
Aquela garota, que andava de skate e usava roupas largas para tentar
parecer menos magrela (não funcionava), morrera a muito tempo, fora soprada
para um lugar no passado do qual eu mal me lembro, um lugar ao qual eu já não
tenho acesso.
Obviamente não pude deixar de imaginar, ou cogitar, como ele me via
agora, anos mais velha, de cabelos curtos e uma aparência despreocupada, ao
mesmo tempo em que transmitia segurança e personalidade (não estou sendo
convencida, juro).
Levantei-me no momento em que ele chegou a mesa e abrace-o – por instinto
ou por “vontades que vem do nada”, mas isso não importa – eu precisava daquele
abraço, aquela sensação de conforto que somente o calor humano pode transmitir.
Acredito que ambos sorriamos, pelo menos é o que constatei após ver meus
lábios refletidos nos olhos dele, com um sorriso que eu não sabia ter dado, e
de ver o sorriso amistoso e belo do qual me lembrava tão bem.
Sentamo-nos e começamos a conversar, ele trabalhava a aproximadamente
quinze minutos daquela lanchonete, mas não costumava comer ali, acabara aqui
hoje por mero acaso, já que o local ao qual ele ia estava fechado.
Confesso que na minha cabeça aquilo pareceu um grande golpe do destino
para nos unir novamente, afinal, quais as chances de algo assim acontecer? Para
mim naquele momento só existiam duas alternativas, a primeira era acreditar que
aquilo era pura coincidência, ou seja milhares de acasos simplesmente nos
colocaram juntos, assim sem querer, na mesma lanchonete (a qual nunca mais havíamos
frequentado), no mesmo exato momento. E a segunda – e mais repulsiva para os
céticos – era acreditar que tudo na vida está interligado, e talvez, só talvez,
algumas coisas simplesmente precisam e vão acontecer. Eu sinceramente preferia –
romântica e tolamente – acreditar na segunda opção.
Mas, voltando a praticidade do dia-a-dia, não tínhamos muito tempo, o
horário de almoço dele já estava acabando (ele demorara a encontrar um lugar
pra almoçar), portanto conversamos sobre o que estávamos fazendo atualmente,
onde vivíamos e coisas casuais do tipo enquanto ele devorava seu X-algumacoisa.
- Então, você voltou para cá... Tem quanto tempo? – perguntei.
- Tem uns dois anos, apareceu uma vaga de emprego na minha área na
empresa em que um amigo trabalha e ele me avisou, então vim pra entrevista de
emprego e acabei ficando. E você acabou não indo embora...
Sorri ao recordar meus sonhos juvenis de viajar o mundo com uma mochila
nas costas e conhecer vários povos e lugares.
- Sim, a verdade é que nunca consegui reunir a coragem necessária para me
tornar uma mochileira e viver sem me preocupar com o dia de amanha, seguindo
plenamente o conceito “carpe diem” de
ser, eu sou preocupada demais – respondi sorrindo.
- Sim, eu sei. Sabe, tenho mantido contato com seu irmão durante esses
anos, ele conseguiu emprego na área de desenvolvimento de jogos não é?
- Sim, agora ele fica me infernizando para comprar os jogos da empresa em
que ele trabalha – respondi revirando os olhos.
- Imagino...Então, você ainda joga?
- Sim, mas prefiro jogos de desktop, porque posso jogar enquanto estudo,
ou trabalho. Bem mais prático.
- Entendo, eu também faço isso – respondeu ele rindo – é algo que apesar
dos anos ainda temos em comum, aparentemente.
Era simplesmente relaxante, ao mesmo tempo em que me assustava. Estar
conversando de forma tão fácil e gostosa com alguém que era tão desconhecido e
tão familiar. O que posso dizer, fazia tempo que não me sentia tão relaxada e
em paz, sem me preocupar se meu cabelo estava desalinhado, se meu batom estava
borrado...Eu não estava nenhum pouco preocupada em impressioná-lo, até porque
ele já me vira em situações muito piores.
Se você já se encontrou com um antigo amigo, depois que muitos anos se
passaram sem que vocês se falassem, e quando se reencontraram novamente o
assunto desenrolou que nem carretel de linha, essa pessoa pode realmente ser
considerada um amigo. Porque, verdade seja dita, as pessoas entram e saem de
nossas vidas, as vezes com uma velocidade impressionante e por mais que quando
somos adolescentes, desejemos acreditar que o “amigos para sempre” existem, e
que nós já o encontramos. O fato é que isso é muito raro, pessoas mudam a todo
momento, a cada escolha que fazem e nem sempre permanecem ao nosso lado, seja
lá por quais motivos, muitas vezes elas tornar-se-ão verdadeiros desconhecidos
para nós, e nós para elas, de forma que quando nos encontrarmos novamente, elas
serão meras lembranças de um passado, e de alguém que já não somos. Não que por isso elas nunca tenham sido importantes,
acredito que cada pessoa que surge em nossa vida contribui em algo, seja
positiva, ou negativamente.
Então, quando Vinicius e eu nos encontramos naquele dia, eu senti um tipo
de ligação com ele, pelo passado em comum que tínhamos e porque parecíamos ter
mais em comum do que nunca (o que era fácil, já que quando adolescentes não tínhamos
basicamente nada). Acredito que tenha sido por isso que trocamos e-mail e outras
formas de contato, como celular e etc. o ser humano é incrivelmente nostálgico,
gostamos de rever, relembrar, guardar (as fotos e diários comprovam isso).
Naquela tarde não tivemos muito tempo para conversar, separamo-nos cedo
demais para voltarmos as nossas vidas humanamente corridas e quando saímos daquela
lanchonete, senti que aquele era um novo começo para mim, que minha história
começava um novo capitulo, e eu esperava que fosse um importante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário