A história que agora
lhes contarei, a muitos parecera boba, ou até mesmo fantasiosa, mas é de fato a
história de minha vida. Sem muitos floreios ou dramas exagerados, é a
verdadeira história, tal e qual me lembro dela. Se é que se pode confiar na
memória.
E a minha história
começa e termina no amor. E pensarão vocês que é um clichê imperdoável uma “história
de amor”. Que fechem o livro então aqueles que nunca viveram uma história de
amor. A sua própria. Seja platônica ou consumada. Uma simples paixão que se
apaga tal logo surge, ou um amor pra vida toda. Se de fato realmente não
tiveram em sua vida, em nenhum momento alguma história de amor, então fechem o
livro. Eu os ordeno que fechem, pois não sabem o que é viver, e não merecem ler
essas linhas que aqui traçarei. Pois aqui exporei todo meu coração, fibra por
fibra; e todo meu sangue, gota por gota.
Mas, entremos então na
tal história, sem mais rodeios. E que aqueles que a lerem me perdoem os
excessos ou a ausência deles, ou não me perdoem. De fato isso não mudará em
nada minha vida.
Talvez devesse me
desculpar por em alguns momentos parecer mal educada. Juro que não o sou,
sério, não sou mesmo. E por sinal, minha mãe ficaria extremamente ofendida se
soubesse que me taxaram de mal educada, então, se não for por mim, que seja por
minha mãe, e relevem, sim relevem, meus excessos. Mas é que não conheço o meio
termo, ou é, ou não é e ponto final. Nada do talvez. O talvez é deprimente e
degradante na minha humilde opinião, se é que me permitem dize-la. De qualquer
forma, já disse, ou escrevi. Que seja.
Ah sim, a história. E
tentarei ser o mais direta possível. Juro!
***
Era Março, e o tempo,
como em todo mês de Março, era chuvoso. Eu contava na época com meus 22 anos,
cursava História, e adorava o curso, diga-se de passagem. As festas nas
republicas também contribuíam bastante para esse fato. Eu adorava sair com meus
amigos, ou sem eles, pois sempre fui sociável, ou se preferirem, cara de pau.
Comigo não tinha problema. Eu fazia coleguinhas facilmente, mas me magoava,
confesso, o fato de na maioria das vezes não se lembrarem mais de mim no dia
seguinte. Enfim, eu era uma estudante normal. Saía, me divertia, cantava,
dançava, dava uns amassos em algum gatinho e, estudava, claro estudar é
importante também e eu o fazia, pelo menos é o que acha minha mãe.
Claro, isso tudo
visivelmente, mas obviamente, eu tinha um lado que poucos conheciam. Eu era
GEEK. Sim! Eu era e sou, GEEK. Desde novinha adorava jogos de vídeo game. Constantemente
vencia meu irmão e seus amigos em jogos de luta ou futebol, qualquer um. Eu era
de fato muito boa naquilo, o que, obviamente deixava meu irmão possesso. E
depois de um tempo passou a me impedir de ir jogar com ele quando seus amigos
estivessem presentes. Acho que feria sua honra ser vencido no vídeo game pela
irmã mais nova, e pensando bem, acho que os amigos dele também não deveriam
gostar muito disso. Devia ser realmente humilhante perder pra uma garota, e
ainda por cima mais nova. Maldito conceito implantado na mente humana de que os
homens são os fortes, as mulheres fracas, e que devemos ser protegidas por
eles, os machos alfas.
De qualquer forma, eu
adorava jogos de vídeo game e quando menor, ganhei de presente de aniversário
um computador, já que meu irmão egoísta não me deixava mexer no dele, pois eu
“iria quebrá-lo”, como dizia ele, como se eu fosse alguma idiota. Foi o
suprassumo ter o meu próprio computador. A sensação que senti de fato, é
indescritível. É como o primeiro carro, o primeiro sutiã e etc. Praticamente
todo mundo se lembra dessas coisas com carinho, assim eu me lembro do meu
primeiro computador. Logo que o liguei na tomada, instalei um joguinho que um
amigo tinha me dado por DVD, e comecei a jogar. Era demais. Sério! Quem nunca
jogou algum jogo em seu computador não sabe o que está perdendo. E lembrem-se,
na ocasião eu contava com meus 12 anos, se a memoria não me falha.
Fiz vários e vários
amigos naquele jogo e no seguinte, e ainda no outro. Alguns foram como cometas
em minha vida, cintilaram por um tempo, mas depois sumiram sem deixar
vestígios, exceto o brilho que a sua passagem deixaram em mim ao passar, e
outros, muitos outros permanecem até hoje. Me são amigos extremamente caros, e às
vezes me espanta a força e a intensidade de nossa amizade, já que, alguns deles
nunca nem mesmo vi pessoalmente. E devido a esse fato, segundo algumas pessoas,
devo considera-los “completos desconhecidos”. Tolice! Não preciso tocá-los para
conhecê-los. É como dizer que não existe uma força maior acima dos seres
humanos. Alguns chamam essa “força maior” de Deus, e outras lhe dão outro nome.
De qualquer forma, ela existe. Seja qual for o nome que a damos, ela está ali.
Assim como também meus amigos estavam. É claro que o contato humano faz falta,
mas a amizade verdadeira supera até mesmo essas barreiras.
E em um desses jogos,
conheci Ian. Sim, o Ian. Foi lá que o conheci. Naquele jogo que muitos julgavam
idiota, e perda de tempo, alienação e coisas do tipo. Quer prova maior de que o
amor pode acontecer em qualquer lugar, ou até mesmo, em qualquer situação?
Não pensem vocês, que
foi amor a “primeira vista”, ou amor a “primeira cura” – só quem joga ou jogou
entende - ou mesmo amor ao primeiro “sussurro”. Não! Nada disso. Foi algo
gradual, tão natural quanto respirar.
Na época em que o
conheci eu tinha 18 anos, e ele 24, e foi até mesmo engraçado o modo como
aconteceu. E vou lhes contar como foi, não só para vocês decidirem se acreditam
ou não em destino, como também pelo fato de que adoro contar essa história. De
fato eu já devo tê-la contado umas 1000 vezes, sem brincadeira, e que me
desculpem meus amigos que foram obrigados a ouvi-la mais de uma vez.
Era uma tarde de
domingo, quente e chata, e o tédio costumeiro de domingo corroía minhas
entranhas com dedinhos pontudos e impertinentes. Foi então que decidi vaguear
calmamente pelo jogo, com meu char – para os leigos, bonequinho - e ajudar aos
mais inexperientes, coisa que eu definitivamente não tinha costume de fazer. De
fato, aquela foi a única vez que o fiz. Mas vejam, fui quase uma Robin Hood brasileira
dos MMORPG – ou para quem não conhece a sigla, é um jogo
de interpretação de personagem online em massa, com pessoas do país todo, ou
mesmo do mundo, no caso dos servidores internacionais – e foi nesse dia fatídico
que Ian e eu nos conhecemos.
Começamos com um dialogo simples, e
banal. O bom de se estar atrás de um monitor é que não se precisa ter vergonha,
ninguém está te vendo mesmo – não que fora do jogo, na “vida real” eu fosse
muito tímida, de fato não era, mas, de qualquer forma, a “máscara” que o
computador disponibiliza desinibe.
E o dialogo foi o seguinte, o adaptarei
para a norma “culta”, ou padrão se preferirem, porque se não ficaria BEM
estranho. E antes que eu me esqueça, digo que irei me referir ao personagem
dele, como bonequinho. Encarem como um teatro se for mais fácil entender.
- Olá! – Disse eu toda contente, já que
o bonequinho dele era lindinho.
Silêncio... Sim, ele me ignorou, mas eu
nunca fui de desistir fácil, por isso insisti até conseguir extrair dele algum diálogo
aceitável, afinal permitir que ele me deixasse sem uma resposta feria o meu
orgulho profundamente.
E, fico extremamente orgulhosa, leia-se;
convencida, em dizer que após a minha insistência, meus esforços foram
recompensados e nos tornamos amigos. No começo conversávamos pouco, alguns dias
quase nada, mal ocorria um “Oi”.
Mas realmente havia algo que me
intrigava nele. Algo que me impelia a sempre falar com ele, tentar ao máximo
fazer com que ele me notasse. Era humilhante, e tinha dias que eu ficava
realmente furiosa com a sua indiferença.
E os meses passavam, lentamente, ou
rapidamente, o tempo é algo muito relativo. E eu finalmente podia dizer que
éramos amigos, mérito meu, claro, pela perseverança demonstrada.
Eu havia, na época, recém me formado no
ensino médio e em breve iniciaria o curso de História em uma cidade distante da
minha, tendo assim que morar sozinha. E enquanto eu me organizava, procurava
casa pra alugar, vaga em república ou até mesmo em apartamentos. Desapareci do
universo online. Isso mesmo! Eu sumi. Mas me despedi de meus amigos, dizendo
somente o essencial, “vou sumir por um tempo, mas volto”. Fiquei fora de todo o
universo da internet durante três meses. E vocês devem estar pensando nesse
momento, “três meses é muito pouco tempo” ou “três meses passa rápido”, ou
qualquer coisa desse gênero, mas devo dizer que o tempo no universo online,
decorre de forma diferente da que ocorre no universo “normal” ao qual estamos
acostumados. Três meses naquele universo, ou fora dele, é muito tempo.
E quando voltei - bela e formosa, feliz
e saltitante - meu amigo me contou uma novidade maravilhosa, ele estava
namorando. Sério, na época não senti ciúmes nem nada parecido, me pareceu
perfeitamente normal e fiquei, por sinal, muito feliz por ele, já que eu também
estava praticamente namorando, e o terceiro desde que o conhecera.
E foi com esse meu namorado, o Fernando,
que eu realmente entrei de cabeça nas festas, Raves, discotecas, bares... Íamos
a todos os tipos de festas onde houvesse música e bebida.
Fernando era musico, tocava em uma banda
de Heavy Metal chamada “Filhos da Noite”, ele era o baterista. Devo, neste
ponto, confessar que sempre tive um fraco por músicos. É impressionante como eu
sempre acabava envolvida com algum cara engajado no mundo musical.
Abrindo um parêntese, talvez isso seja
uma expressão do meu inconsciente, já que sempre adorei música, é algo que
realmente me deixa e sempre me deixou extasiada e encantada, algumas músicas me
fazem sentir uma paz imensa, e outras me dão vontade de chorar, de tão belas.
Voltando aos meus namorados, ficantes,
rolos e afins... Nenhum, apesar de vários viverem em contato com o mundo da música,
seja atuando nele ou de outra forma, até aquele momento tinha sido capaz de me
ajudar a penetrar também nesse mundo, em todos os sentidos, tanto os positivos
quanto os negativos.
E um dia quando dei por mim, estava em
um palco improvisado em um bar qualquer da grande São Paulo. E a sensação foi
maravilhosamente deliciosa. Apesar do medo que senti no principio, eu descobri que
eu realmente deveria fazer aquilo mais vezes. Cantar pra toda aquela gente era
incrível, mesmo, e apesar do barulho, aquilo - o palco - as pessoas me
transmitiam uma sensação abençoada de paz e poder.
E foi assim que penetrei no mundo da
música e comecei a cantar esporadicamente naquele mesmo bar, qual não citarei o
nome por motivos óbvios.
Fernando e eu nos dávamos realmente bem.
Éramos bem parecidos nos quesitos que deveríamos sê-lo e muito diferentes em
coisas igualmente convenientes. Entenderam? Pois bem, éramos parecidos e ao
mesmo tempo diferentes, se é que assim fica mais fácil compreender.
E poderíamos estar juntos até hoje
imagino, se não fosse por um pequeno, grande, detalhe, ele mentiu pra mim,
vulgo, me enganou. E se tem algo que realmente não suporto e nunca permiti,
pois para mim representava o fim de tudo, era a mentira. Eu perdoava muitas
coisas, mas não a mentira. Pois sempre fui sincera demais e gostaria de no mínimo,
o mesmo tratamento.
A mentira é como uma goiaba bichada, no
começo é só umazinha em meio às outras que estão perfeitamente saudáveis, mas,
em seguida o bicho daquela se espalha pelas outras empesteando todo o pé de
goiaba, anulando assim a produtividade de toda uma goiabeira.
E é assim que a mentira, o que era
supostamente uma só, se transforma em várias. E no fim já não se sabe o que foi
verdade e o que não foi, tal forma essa coisa pútrida e corrosiva se instala no
meio - sim, no meio mesmo, entre o casal, no caso, eu e Fernando - acarretando
assim na separação obvia do mesmo.
A menos é claro que o amor seja
realmente muito grande, a ponto de a mentira ser perdoada, mas infelizmente, ou
felizmente, eu nunca fui do tipo que acreditava que o amor é como uma criança
engenhosa, quer o que quer, se magoa de forma extremamente fácil quando não o
consegue e, quando se magoa ou se descobre enganados, dificilmente perdoa.
E eu, bem, eu não perdoava mentira, pois
não suportava a ideia de ter sido enganada. Feria de forma quase irreparável
meu orgulho e, devo admitir, sempre fui muito orgulhosa. Somente em casos
extremos com pessoas muito importantes pra mim, é que deixo meu orgulho de lado
em prol de algo maior, se isso é qualidade ou defeito, já não cabe a mim
decidir.
Mas, voltemos ao meu relacionamento com
o Fernando, que por sinal já não existia.
Confesso que o nosso termino de
relacionamento por ser mais carnal que sentimental, praticamente não me
perturbou. Só senti realmente falta dele, em minha cama, pois era inverno
quando terminei com ele, e o calor que dele emanava me aquecia em meio à noite fria.
Agora eu teria que fazer uso diário de minhas cobertas mais quentes, e elas
sufocavam.
Nem preciso dizer que foi em Ian que
encontrei um porto seguro e atenção quando estava sozinha e carente. Ele me
apoiava totalmente e em suas palavras de apoio não existiam segundas intenções,
tanto é que sua namorada, Bianca, nem mesmo sentia ciúmes de nossa amizade, com
laços cada vez mais fortes e intensos.
E eu, ironicamente, penetrei em uma névoa
profunda e densa de depressão, irônica porque, não tinha motivos aparentes para
aquilo, e se eles existiam, eu os desconhecia. Não era por Fernando, nem de
longe, como já disse anteriormente, eu nunca havia gostado realmente dele.
Era por mim mesma que eu sofria, e
sofria quieta no meu canto, sem incomodar ninguém. Mas era aparente que a cada
dia que se passava eu definhada mais e me atolava mais profundamente na
tristeza insolúvel que me consumia desde as unhas do pé, pintadas de vermelho –
naquele momento descascado e em estado deplorável – até o âmago de minha alma. Era
algo que me dominava e me consumia sem que eu entendesse a razão.
Ninguém entendia, apesar de pouca gente
realmente ter conhecimento do fato, eu padecia. Passei assim dois meses, nos
quais ia à faculdade e voltava para casa. Mal saía, somente quando era
realmente necessário. Compras, etc.
Nessa fase triste de minha existência,
todas as frustrações pelas quais já havia passado na vida, pareciam voltar à
tona como um fantasma vingativo que só queria me atormentar. Um exemplo disso é
que até mesmo por meu cachorro, Lancelot, que havia morrido há uns dez anos, eu
chorei - e muito por sinal. Eu chorava enquanto fazia o almoço, chorava ao
dormir e acordava chorando também às vezes, e era algo que eu não conseguia
controlar, por isso evitava ao máximo sair de casa. Odiava que me vissem
chorando ou demonstrando qualquer tipo de indício de fraqueza.
E foi nesse período que provei das
drogas. Um baseado aqui, outro ali, e flutuava por um universo paralelo metade
do dia, totalmente alheia a realidade que me cercava.
E nessa fase, foram-se mais dois meses,
completando assim quatro meses, do que costumo chamar “a época obscura de minha
vida”, nos quais minha existência foi totalmente precária.
Até que tudo se dissipou, leia-se,
minhas lágrimas e frustrações pelas quais chorava, acabaram, e eu voltei a ser
eu mesma. Isso não foi de um dia para o outro, mas minha tristeza que parecia
sem fim, foi se abrandando lentamente da mesma forma com que veio, até se
evaporar em meio a alegria que me inundava.
Os casais aos beijos, ou até mesmo de mãos
dadas, já não me incomodavam. O canto belíssimo dos pássaros, já não me
irritava, e o mundo parecia sorrir-me de novo. Por isso eu lhe sorria de volta,
totalmente renovada, e de alma lavada.
À minha frente um mundo coloridíssimo se
desenrolava, e pincéis multicolores estavam a minha espera para que eu pintasse
o que desejasse. A sensação das plantas quando chove após uma seca deve ser a
mesma que a minha naquele momento, eu me sentia livre e renovada. Perfeitamente
em paz.
Assim pude voltar à minha rotina de
estudos e lazer e para o seio doce e macio de meus amigos que evitavam
lembrar-me de meus momentos de loucura, em que por vezes era muito cruel e malcriada
com eles.
Eu sentia uma sede que não podia ser
saciada. Uma vontade de beber o mundo em grandes goles de desespero, era
inconcebível e imperdoável a consciência do fato de que eu desperdiçara tanto
tempo de minha vida chorando que nem uma idiota pelos cantos. A vida era curta
demais para isso e, naquele momento, eu tinha plena consciência disso.
O que fez com que eu mudasse minha
rotina quase totalmente, recheando-a de coisas interessantes que nunca havia
feito, ou de prazeres dos quais já havia provado, mas queria repetir. Pois para
mim, os grandes prazeres devem ser repetidos sempre que possível. Nada de
economizar para depois.
Mas obviamente eu sempre encontrava
tempo para Ian em minha agenda e ele para mim. Entre nossas agendas corridas e
fuso horário era cada vez mais difícil termos um tempo divertido, juntos. Porém
de alguma forma não podíamos aceitar nem mesmo a hipótese de perdermos o
contato. Nossa amizade era importante demais para que permitíssemos isso.
Eu sentia que ele me conhecia e me
entendia melhor do que qualquer outra pessoa, quiçá melhor do que eu mesma.
Talvez eu também o conhecesse assim.
Porém, em dado momento eu comecei a
sentir algo a mais por ele e ele passou a ser a pessoa mais importante da minha
vida. Pra começo de conversa eu nem ao menos sabia como reagir a esse tipo de
sentimento. Naquele momento meu maior desejo passou a ser estar com ele, em
carne e osso. Somente conversar com ele já não era suficientemente bom para
mim. Eu precisava tocá-lo.
Cara de sorte esse Ian.
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